quarta-feira, 25 de abril de 2012

Artigo que publiquei no jornal "O Globo" em 12/06/2004: Onde os Negros não Incomodam - Debate de hoje no STF (25/04/2012) - Voto favorável do Relator - Justiça seja feita!


O tema cotas para afro-descendentes nas Universidades é sempre acalorado e a discussão é permeada por argumentos que se firmam basicamente em três eixos: a injustiça de se contemplar alguém que teve pontuação menor; a queda na qualidade das universidades e por fim a idéia de que no Brasil não há preconceito racial e sim social, bastando então a cota para alunos carentes.

Por outro lado, a Constituição em seus artigos 1º e 3º elege como valores e objetivos fundamentais a dignidade humana, o pluralismo, a erradicação das desigualdades e a construção de uma sociedade justa e solidária. Assim, todos os órgãos do Estado devem buscar tais objetivos, principalmente a Universidade. Não há pluralismo quando percebemos a ausência de afro-descendentes na universidade.
No vestibular, só olhamos o ponto de chegada e nunca o ponto de partida. Considerando o princípio constitucional da igualdade, podemos ter por símbolo uma corrida na qual todos partem de posições iguais. Aí sim podemos olhar apenas a chegada. Todavia, na vida as pessoas partem de posições desiguais:  os negros partem de uma posição inegavelmente desfavorável que a própria história brasileira lhes assegurou. Abriram-se as senzalas, mas nada foi feito além disso. É o que se chama de dívida histórica. Desta forma, não há injustiça quando a vaga é preenchida por alguém que teve uma pontuação menor se as dificuldades encontradas por este foram maiores. Isto é concretamente o princípio da igualdade. Aliás, avaliar de maneira igual pessoas em situações desiguais é inconstitucional por violar o princípio da igualdade material.
O segundo argumento nos leva a refletir sobre o papel da universidade na sociedade brasileira. Destina-se a manter a formação de uma elite? Cumpre sua função quando recebe os melhores alunos e praticamente por tal razão destaca-se no cenário acadêmico? Para evitar tais distorções há estudos para que a avaliação dos cursos se faça no ingresso e na saída, o que possibilitaria mensurar a contribuição da universidade, pois não há êxito para esta, sob o aspecto do ensino, se ela só é capaz de selecionar alunos bons e entregá-los nas mesmas condições à sociedade. O êxito do ensino reside no aprimoramento do aluno. Sob o aspecto social, não pode traduzir-se na manutenção da desigualdade e de uma ordem social injusta e excludente. Eis a questão: deverá a universidade contentar-se com a concentração do saber e o elitismo acadêmico, ou deverá assumir seu papel na transformação da realidade?
Por fim, o porquê dos negros ao invés de tão-somente contemplar-se os carentes. Porque além da pobreza, o negro sofre com outros fatores de discriminação. A criança pobre convive com a pobreza, a criança negra e pobre, convive ainda com as expressões pejorativas, com as discriminações, com olhares desconfiados, assim como a mulher convive com inúmeros dissabores simplesmente por ser mulher e por isso às vezes a lei lhe dá tratamento diferenciado. Há, nas questões de gênero e de cor, dificuldades que transcendem a pobreza. Abaixo do trópico, o preconceito é disfarçado e quando não se vê o problema, mais difícil é superá-lo.
Para refletirmos, deixo uma indagação de Loïc Wacquant, professor da Universidade de Berkeley, na Califórnia e do Collége de France. Por que não causa estranheza ou perplexidade não termos, na universidade, o mesmo percentual de negros que temos na penitenciária? Na prisão a cota dos negros é grande e ninguém reclama.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Geraldo Prado e Aposentadoria: O Poder Jurisdicional sob a ótica de Machado de Assis



Ontem (quarta, 04/04/12), na véspera de seu aniversário, Geraldo Prado deu-se um presente. Aposentou-se da função de Desembargador do TRJRJ.
Com uma trajetória impecável, marcada pela coragem, independência e justiça, deixou-nos, para nossa tristeza, despindo-se da toga.
Como o mundo constitui-se de justiça e injustiça, certamente, alguns -satisfeitos com a ordem social opressora, autoritária e desigual, ou outros ingênuos que acreditam em um sistema falido, perverso e seletivo - regozijam  com sua aposentadoria.  Mas para a maioria de nós, aqueles que sonham com uma sociedade mais justa, livre, fraterna e solidária, sua aposentadoria é motivo de lamento e esperança.
Lamento porque Geraldo deixa o Poder Jurisdicional de promover justiça. Esperança porque se torna mais vigoroso seu poder de inspirar os homens por sua cátedra, por seus escritos, por sua companhia em uma frente antiautoritária, em um projeto libertário e em um sonho de felicidade para todos.
Fica então o exemplo do magistrado Geraldo Prado, que remete ao conto de Machado de Assis “O Espelho” ou “Esboço de uma nova teoria sobre a alma humana”. 
O conto narra a estória de um jovem pobre, de 25 anos, que ascende ao cargo de Alferes da Guarda Nacional. Orgulho para a família, para o bairro, e, logo, todos passam a chamá-lo de Senhor Alferes. Em pouco tempo o Alferes eliminou o homem que existia nele.
Certa feita, ao ficar sozinho em uma fazenda, sem ninguém para fazer-lhe bajulações e chamá-lo de Senhor Alferes, entrou em uma solidão enorme e não via mais sua alma interior. Foi então que teve a ideia de vestir a farda de alferes e postar-se diante do espelho, quando, então, reconheceu sua alma exterior, vendo-se como Alferes.
O conto demonstra como o Poder age sobre o humano ao ponto de muitas vezes não nos reconhecermos mais sem ele. Muito se analisa o efeito do Poder sobre os outros, os oprimidos, mas Machado de Assis faz uma crítica ao Poder sob outro ângulo, ou seja, os efeitos do Poder sobre o homem que o exerce.
Geraldo Prado nunca foi o alferes do conto machadiano. Sua humanidade sempre foi maior do que o Poder que exerceu. Por isso, viverá, inspirará, ensinará, se alegrará e se reconhecerá sempre em sua alma interior, mesmo despido do Poder que nunca aniquilou sua humanidade.
Que sua alegria seja nossa alegria. Que nossa saudade seja sua motivação.
Nicolitt, 05/04/2012.
 

domingo, 1 de abril de 2012

Conexões antiautoritarismo: Roger Waters (Pink Floyd), Kafka, Alan Parker, Gerald Scarfe.


Dia 29 de março de 2012 tivemos a felicidade de assistir no Rio de Janeiro o concerto The Wall, de Roger Waters (ex-Pink Floyd). Indescritível a estrutura do show, mas o que mais marcou foi a conexão antiautoritária a que o show remetia.
Waters dedicou o concerto The Wall ao brasileiro morto no metrô de Londres (Jean Charles) e a todas as vítimas do TERRORISMO DE ESTADO, para nós uma das piores formas de terror.
O trabalho de Waters em The Wall tem uma coerência antiautoritária, basta lembrar que o filme foi dirigido por Alan Parker (diretor de um dos filmes que mais gosto: A vida de David Gale) e teve os desenhos surreais de Gerald Scarfe.
O personagem (anti-herói) Pink, para mim tem inspiração na Metamorfose de Kafka, um dois maiores escritores com cariz antiautoritário. O tema superproteção (opressiva) da mãe também liga Waters à Kafka, destacadamente em relação à obra Carta ao Pai.
Esta conexão clama para que quebremos os muros, o isolamento, os campos de concentração, a alienação da prisão, das senzalas contemporâneas...que possamos proclamar a liberdade, os sonhos...o surreal.