segunda-feira, 23 de janeiro de 2012


AVANT-PREMIÈRE
Inconstitucionalidade da parte final do §1° do art. 110 do CP

(...)
No caso da prescrição pela pena ideal verifica-se no próprio inquérito (ou mesmo no curso da ação penal) que, na hipótese de condenação, a pena aplicada em razão das circunstâncias do art. 59 do CP conduzirá à prescrição retroativa pela pena em concreto.
A prescrição antes da sentença é aferida pela pena abstrata (cominada pela lei ao delito), conforme art. 109 do CP. Advindo a sentença condenatória, a prescrição passa a ser aferida pela pena em concreto (aplicada na sentença), ut art. 110 e § 1o do CP. Esta nova referência para o prazo prescricional dada pela sentença, na antiga redação do §1° do art. 110, retroagia até a data do fato (§ 2o do art. 110 do CP[1]). Desta maneira, se entre o fato e o recebimento da denúncia já decorreu o prazo prescricional definido pela pena da sentença ocorreria a prescrição da pretensão punitiva retroativa em razão da pena aplicada.
Exemplificando, a prescrição de um furto simples é de 8 anos (art. 109, IV c/c art. 155 do CP). Condenado o réu a pena mínima de 1 ano, a prescrição passa a ser de 4 anos (arts. 109, V c/c 110, § 1o e 155, todos do CP). Tal prazo retroagirá à data do fato (art. 110, § 2o, CP. Revogado). Assim, tendo transcorrido 4 anos entre a data do fato e a denúncia ou entre a denúncia e a sentença penal condenatória, houve a prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal em razão da pena em concreto aplicada ao réu.
Com o advento da Lei 12.234/2010[2], o §2° do art. 110 foi revogado e a parte final do §1° do art. 110 passou a dizer o contrário do que dispunha o referido §2°, ou seja, que a prescrição após a sentença, apesar de regulada pela pena aplicada, não pode, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à denúncia ou queixa.
Com a nova redação, a prescrição retroativa pela pena em concreto só poderia ocorrer entre o recebimento da denúncia e a sentença penal condenatória (ou entre a pronuncia e a decisão que a confirma, ou ainda entre a sentença e o acórdão, etc., - art. 117 do CP)[3]. Desta forma, seria insustentável rejeitar a denúncia ou queixa por falta de interesse de agir, nos termos que sugerimos acima, em razão da prescrição pela pena ideal.
Ocorre que a parte final do §1° do art. 110 é inconstitucional por violar o princípio da individualização da pena. Vejamos.
Como bem ensina Hermann Herschander[4], a prescrição em abstrato é meramente hipotética e virtual. A prescrição real é fundada na pena aplicada na sentença e é esta que deverá ser observada para todos os efeitos. Para o referido autor, a prescrição retroativa é instrumento da individualização da pena. Isto é, a individualização da pena impõe a individualização da prescrição. Do contrário poderíamos ter verdadeiras injustiças.
Para ilustrar, pensemos em dois sujeitos que em concurso cometeram estelionato (art. 171 CP - pena de 01 a 05 anos - prescrição abstrata 12 anos - art. 109, III do CP). Condenados, com trânsito em julgado, a pena de um foi de 01 ano e 10 meses e a do outro foi de 02 anos e 01 mês. Note-se que a prescrição abstrata para ambos era igual de 12 anos. Porém, esta prescrição não subsiste para nenhum deles. Mas, ainda assim, passaram a ter prescrições em concreto diversas, em razão da pena em concreto. O primeiro terá prescrição de 04 anos enquanto o segundo prescrição de 08 anos (art. 109, IV e V do CP). Note-se que aplicar a parte final do §1° do CP seria igualar o réu que possui maior culpabilidade tendo recebido a pena maior ao que possui menor culpabilidade e, portanto, recebeu a pena menor. Sendo que logo a diante a própria lei dará a ambos tratamento diverso, considerando, após a denúncia, as prescrições em concreto. E porque então o tratamento violador da igualdade material (tratar os desiguais de forma desigual) antes da denúncia? Resposta: apenas para premiar a ineficiência e morosidade do Estado que demora a investigar e a denunciar.
Portanto, impõe-se reconhecer a inconstitucionalidade da parte final do §1° do art. 110 do CP, em razão da individualização da pena e do princípio da igualdade material.         
Com efeito, nada impede que a análise da prescrição se dê por uma projeção, desde o início. Desta maneira, a pena idealizada servirá de referencial para verificação da utilidade, pois sendo certa a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva no ato da sentença que fixar a pena, nenhum resultado útil advirá da atividade jurisdicional, faltando assim interesse de agir (interesse-utilidade).
Neste sentido a jurisprudência já tinha se manifestado antes do advento da Lei 12.234/10:
Recurso em sentido estrito. Furto de energia elétrica. Decisão monocrática que declara a extinção da punibilidade pela prescrição da pena ideal. Possibilidade. Se pelas provas coligidas não resta caracterizada qualquer circunstância agravante, favoráveis ao acusado as circunstâncias de que cuida o art. 59 do Código Penal, e se entre data da prática da conduta delituosa, cuja pena cominada é de 2 (dois) a 8 (oito) anos de reclusão, e o recebimento da denúncia transcorreram mais de 5 (cinco) anos, não havendo nos autos elementos que indiquem fosse a pena aplicada, em caso de eventual condenação, em patamar superior ao mínimo legal, ante as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, válido é o raciocínio judicial que antecipa o cálculo da prescrição para rejeitar a denúncia. O processo, considerado como instrumento e não como fim, perde sua razão de ser se o seu resultado, objetivamente identificável pelos elementos de que até então dispõem o Ministério Público e o Magistrado, será inevitavelmente o reconhecimento da prescrição punitiva. A decisão monocrática que rejeita a denúncia com apoio na aferição dos elementos objetivos, como a análise da folha penal do acusado, indicativos de que a pena, em tese aplicada, não ultrapassaria, de forma alguma, o mínimo legal e que, portanto estaria prescrita quando da prolação de eventual sentença condenatória, homenageia o Princípio do Direito Administrativo, voltado para a boa aplicação do dinheiro público, que recomenda não seja instaurada a ação penal quando faltar interesse, não se justificando a movimentação da máquina judiciária em vão, já que a sentença não se revestiria de força executória, obstada pelas normas que regulam a prescrição. Nega-se provimento ao recurso. (2006.051.00007 – Recurso em sentido estrito, Des. Maria Raimunda T. Azevedo, j. em 23/03/2006, Oitava Câmara Criminal)

Tal orientação também já estava assentada administrativamente no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, na medida em que a Procuradoria Geral de Justiça aprovou em processo administrativo (MP/RJ no 2005.001.0836.00) parecer com o seguinte conteúdo:
Arquivamento recusado. Art. 28 do Código de Processo Penal. Inquérito policial instaurado com o escopo de apurar o cometimento, em tese, do ilícito penal previsto no art. 171, § 3o, do Código Penal, ocorrido no período compreendido entre julho de 1995 e dezembro de 1996. Promoção de arquivamento formulada sob o argumento de que estaria ausente o interesse processual de agir em razão do reconhecimento antecipado da prescrição da pretensão punitiva estatal denominada retroativa, com base na pena in concreto. Discordância judicial com remessa dos autos à Chefia do Parquet, sob o fundamento de que o reconhecimento antecipado da prescrição retroativa não encontra amparo legal. Embora o ordenamento jurídico penal não contemple expressamente a prescrição pela pena em perspectiva, o reconhecimento desta para a constatação da inexistência do interesse de agir não traduz ilegalidade, pois resulta de interpretação sistemática das normas contidas nos arts. 59, 68, 109 e 110, §§ 1o e 2o, do Código Penal e do art. 43, inciso III, do Código Penal. Parecer que se orienta no sentido de sugerir que se insista no arquivamento.
Aprovo. Devolvam-se os autos ao douto Juízo de Origem, com as homenagens de estilo. Dê-se ciência ao órgão ministerial oficiante do arquivamento. Publique-se e arquive-se o remanescente. (Marija Yrneh Rodrigues de Moura, Subprocuradora-Geral de Justiça de Assuntos Institucionais e Judiciais)
Não obstante, há que se ressaltar que tal entendimento nunca foi pacífico, havendo quem sustentasse a necessidade de propositura da ação, rejeitando a prescrição pela pena ideal ao simples argumento de que não está previsto na legislação. Com maior razão, esta corrente se fortalece com a nova redação do §1° do art. 110 do CPP. (...)


[1] (revogado) § 2° - A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa.
[2] A primeira crítica que se pode fazer a esta lei é que ela premia e facilita a morosidade e ineficiência do Estado. Sobre o tema: FERRARI, Eduardo Reale e FLORÊNCIO, Heidi Rosa. A extinção da Prescrição Retroativa e a Ilusão Penal. In Boletim do IBCCRIM, ano 18, n° 212, junho/2010, p. 4-5.
[3] Aqui cabe registrar outro posicionamento coerente. O §1° do art. 110 do CP fala em "data anterior à denúncia ou queixa" e não em "recebimento da denúncia ou queixa". Certo é que não se confunde oferecimento da denúncia com seu recebimento, o que pode ocorrer em momentos bem diversos, destacadamente com a atual redação do art. 399 do CPP. Portanto, mesmo para os que não comungam da ideia de inconstitucionalidade parcial do §1° do art. 110 do CP, não se pode negar que é possível, apesar de na prática difícil, reconhecer a prescrição retroativa pela pena em concreto, entre o oferecimento da denúncia e seu recebimento, vez que o §1° do art. 110 do CP só veda a consideração do termo inicial antes da denúncia ou queixa, mas uma vez oferecida esta, pode ser considerado, já que a interrupção só se dá com o recebimento (art. 117, I CP) e não com o oferecimento. Neste sentido: SOUZA, Gilson Sidney Amâncio de. A Lei 12.234/10 e a Nova Regulação da Prescrição Penal. In Boletim do IBCCRIM, ano 18, n° 213, agosto de 2010, p. 11-12.
[4]HERSCHANDER, Hermann. Lei 12.234/2010: Ofensa à individualização do prazo prescricional. In Boletim do IBCCRIM, ano 18, n° 212, junho/2010, p.6-7.


Medidas Cautelares Diversas da Prisão e Detração da Penal
As medidas cautelares diversas da prisão cautelar no âmbito da Lei 12.403/11, diversamente do que sucede no PL 156/2009, não tiveram nenhum regramento relativamente ao instituto da detração.
O fato é que se a doutrina e os aplicadores forem insensíveis ao tema teremos profunda violação ao princípio da igualdade, pois os acusados submetidos à medida cautelar, sempre estariam submetidos a um plus sancionador que não seria abatido na pena.
Com efeito, para dar efetividade ao princípio da individualização da pena, imperioso reconhecer a possibilidade de detração penal e de outros mecanismos de compensação.
No caso, por exemplo, da permanência domiciliar em período noturno e finais de semana, por representar privação de liberdade, os dias e períodos de permanência, em tudo se equivalem à prisão domiciliar e devem ser detraídos da pena.
Da mesma forma, medidas como o monitoramento podem ser detraídas das penas não privativas de liberdade.
Ademais, diante de eventual impossibilidade de detração em razão da peculiaridade da medida, pode-se lançar mão da atenuante genérica (art. 66, CP) como forma de evitar o plus sancionador que representaria a medida cautelar não detraída.
Do contrário, para ilustrar, a pessoa que recebeu uma pena de 04 anos e, no curso do processo foi submetido à medida cautelar diversa da prisão, acabaria por ser sancionado de forma mais grave do que aquele que, por fato idêntico, recebeu a mesma pena, porém ficou preso preventivamente, pois esta seria detraída e a outra medida não, o que por óbvio, seria uma absurda injustiça.   

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A Pele que habito

Pôster do filme A Pele Que HabitoAlmodóvar é sempre uma surpresa. Um gênio. Sua mais recente obra, A Pele que habito, marca seu reencontro com os elementos típicos do terror, mas sem perder as cores e os tons de Almodóvar, abrindo uma reflexão sobre questões éticas relevantes e trabalhando com a questão dos desejos. Imperdível o filme e o clima me lembrou, em alguns momentos, um dos melhores filmes que vi ano passado: "O segredo do seus olhos".